Era uma vez...
… em uma cidade miúda do interior mineiro (onde a noite era iluminada pelas estrelas e o galo era o responsável pelo despertar do dia), uma senhora, de origem humilde e coração enorme. Em seu rosto, as rugas contavam sua história. Marcas de uma vida de superação, trabalho e dedicação na criação dos filhos e cuidados com a casa. Em seus olhos, via-se a realização de viver em paz e a paixão em poder se dedicar aquilo que mais gostava: cozinhar. No quintal, a horta e as criações ocupavam seu tempo. Vinha da terra e do cultivo de suas próprias mãos tudo aquilo que ela usava em sua culinária. Ela sabia que para as hortaliças brotarem e as árvores frutificarem precisaria dedicar seu tempo, atenção e cuidado a suas plantações. O amor que ela colocava em seu trabalho garantia que tudo saísse da melhor maneira possível. Mas também era preciso paciência pois cada muda tinha seu tempo e cada pé, sua estação. Era lindo ver a natureza conspirando a seu favor. Após a colheita, vinha sua parte favorita: cozinhar para aqueles que ela mais amava. Quando os parentes e amigos se reuniam em sua casa era a maior festa. Irmãos, filhos, netos… todos ansiosos por suas deliciosas receitas! A senhora, dona Ofélia (ou Vó Lili, como era chamada pelos seus netinhos), recebia todos os visitantes com muito carinho e entusiasmo. Para ela a casa também era deles! Quando a comida chegava à mesa era um encantamento. Como pudera ser tão saborosa? A leveza das mãos experientes e o carinho para executar os pratos permitiam que isso acontecesse. Mas não era só isso. Tinha um segredo. Apesar de ter passado vários anos com a barriga no fogão, ter se queimado e se cortado por diversas vezes, ter visto seu trabalho perdido após errar receitas e ter aperfeiçoado suas técnicas dia após dia, havia algo especial que dava o toque final em suas produções: A colher. Não era uma colher qualquer, como as que se encontra no mercado. Era uma colher especial, mágica, que alimentava a alma e os sonhos de quem provasse de sua comida. Dona Ofélia escondeu esse segredo a vida toda. Era um segredo de família, e tinha herdado o presente de sua saudosa mãe. Para manter o sigilo e disfarçar o objeto, quando era mais jovem costurou uma boneca de pano. Uma cozinheira em formato de cabaça, com uma faixa na cabeça, vestido verde de bolinhas e avental laranja. O toque final: a colher entrelaçada em suas mãos. Ali, naquela peça artesanal, o segredo estava bem guardado. Dona Ofélia só retirava a colher da mão da boneca para finalizar seus pratos. Após usa-la, limpava e voltava para seu devido lugar. Companheira de Vó Lili na cozinha, a boneca escutava seus segredos, ouvia causos e até desabafos diante de uma vida repleta de desafios. O que ela nunca soube é que sua boneca cozinheira, ao ter tido o primeiro contato com a colher mágica, ganhou vida. Não se mexia e nem falava, mas ouvia e sentia tudo o que se passava a seu redor. Sua alma havia sido alimentada. A boneca aprendeu a admirar Vó Lili. Adorava ver a maneira amorosa e gentil que recebia as pessoas. Entendia quando algo a aborrecia. Assisti-la cozinhar era motivo de muita animação, o ambiente ficava alegre. Ela havia entendido a essência de sua criadora. Certo dia, num fim de tarde, enquanto o vento assoviava frio, a boneca, olhando pela janela, imaginava como seria conhecer os fantásticos lugares que Dona Ofélia contava em suas histórias. A boneca de Lili estava sonhando. A colher entrou em cena novamente. Agora, para garantir que sua guardiã realizasse este desejo. E ali, naquele momento, aconteceu algo que mudou a vida de nossas personagens para sempre. Ainda hoje, vira e mexe, a boneca de Lili escapa para conhecer novas cidades, eventos, monumentos e histórias. Quem sabe um dia você não encontra com ela em algum lugar por aí?
"A Boneca de Lili é o símbolo que sempre carregou a ideia do temperinho caseiro e da comida afetiva"
Filipe Mota
E foi assim que tudo começou...
Em 4 de novembro de 1960 nascia Silvio Rodrigues Mota, filho de Seu Sebastião e Dona Maria, o caçula de 11 irmãos. Sebastião passava por um grande desafio para sustentar a casa. Às 4h da manhã ele enchia uma carroça com frutas e a deixava em casa, logo em seguida ia para a prefeitura para o início de seu trabalho como gari e após o serviço pegava sua carroça de frutas e saia vendendo de casa em casa, tudo para complementar a baixa renda doméstica. Maria, dona de casa, fazia tudo o que podia para também ajudar nas despesas. Silvio atravessou uma infância pobre, mas rica em diversão e histórias para contar. O que mais gostava era de velocidade, seja na bicicleta, seja no rolimã, e quando podia brincar se divertia muito com os dois. Não pôde brincar muito. Aos 8 anos iniciou sua trajetória empreendedora: vendia copos de sucos para os trabalhadores das ruas da região. Aos 10 anos conseguiu sua primeira banquinha de madeira, onde vendia, em um ponto de ônibus, as laranjas que sobravam das vendas de seu pai. Aos 11 anos decidiu deixar a banquinha para ajudar seu irmão Tião no Mercado Distrital da Barroca onde vendiam diversas frutas. Aos 12 passou a ajudar diretamente o seu pai a vender as frutas diariamente junto com seus irmãos Paulo e Marcelo. Aos 13 já havia conquistado duas bancas de feira e um espacinho no Mercado do Cruzeiro. O tempo passou e o pequeno negócio gerou frutos e as bancas se tornaram um sacolão quando Silvio tinha 25 anos! Os conhecimentos adquiridos sobre hortifruti e empreendedorismo tornaram-no cada vez mais habilidoso para gerar resultados. Em meados de 1985, o pequeno sacolão da rua Outono havia se transformado em uma rede com 10 unidades. Foi nesse período que tudo começou a ficar mais difícil. A sociedade com os irmãos começou a ser desfeita em meados dos anos 90, e nosso protagonista teve que desbravar novas águas. Com as últimas economias apostou no ramo da alimentação fora do lar e abriu um restaurante self service. Silvio plantou seu diferencial: tempero saboroso, leve, sem condimentos e tudo com pouca gordura. Usou e abusou de tudo o que aprendera com sua sogra, Dona Lili, mas o caminho seria árduo. Em 1998 nascia o restaurante Sabor & Vida. Sabia sobre administrar e gerir e reconhecia bons ingredientes como ninguém, mas cozinhar era inimaginável. Sem nenhum conhecimento técnico sobre o preparo dos alimentos, Silvio seguiu trabalhando três anos à risca, muitas vezes com prejuízo, muitas vezes com a falência iminente. Enfim, por volta de 2005, o restaurante caiu no gosto do povo e as coisas puderam caminhar com menor dificuldade, chegando, devagar e sempre, nos moldes de estrutura, de processos, de conceito e de proposta que existem hoje na instituição, criando uma cultura empresarial agradável para quem trabalha e quem frequenta as lojas da rede.
"O primeiro passo para resolver qualquer problema é identificar aquilo que te incomoda"
Silvio Mota